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Estudo do assédio moral organizacional sob a ótica dos direitos fundamentais – Calvo & Fragoas

Estudo do assédio moral organizacional sob a ótica dos direitos fundamentais

Resumo: Trata-se de artigo que tem por objetivo discutir o fenômeno do assédio moral
organizacional e os seus impactos na dignidade da pessoa humana. Além disso, propõe
uma nova visão do instituto do assédio moral e busca propor novas alternativas de proteção
à dignidade da pessoa humana do trabalhador por meio de um estudo interdisciplinar do
Direito do Trabalho com outras ciências, tais como: a Sociologia, a Psicologia, Psiquiatria,
entre outras.
Palavras-chave: Assédio moral. Assédio moral organizacional. Assédio moral
corporativo. Dano moral. Dignidade da pessoa humana do trabalhador. Direitos
Fundamentais.
Abstract: This article intends to present the moral harassment and its impact on the
dignity of the human being. Besides, it aims to present a new view of the concepty of moral
harassment and new alternatives to protect the dignity of the human being of the worker
through an interdisciplinary relation between Labor Law and other sciences, such as:
Sociology, Psychology, Psychiatry, and so forth.
Key words: Moral harassment. Corporate moral harassment. Moral damages. Dignity of
the humanity of the worker. Human Rights.

 Adriana Calvo é Doutoranda e Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP), Coordenadora Pedagógica Assistente
e Professora da Pós-graduação de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da CESUMAR- PR. Professora Convidada
de Direito do Trabalho do Curso FGV Direito RJ. Professora Convidada do curso de Pós-graduação em Direito do Trabalho
pela PUC/PR, EPD e ESA.. Professora de Direito do Trabalho para Concursos Públicos – OAB e Magistratura do Trabalho.
Especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Especialista em Administração de Recursos Humanos pela FGV.
Especialista em Previdência Complementar pela Gvlaw. Especialização em Direito Americano – “Legal Assistantship” pela
UCI/ Califórnia. Membra pesquisadora do Instituto de Direito Social Cesarino Jr.. Sócia do escritório Calvo Advogados.
2
1. INTRODUÇÃO
Pretende-se discutir neste artigo o novo fenômeno do assédio moral
organizacional, muito mais amplo do que o típico assédio moral individual interpessoal,
dentro de uma perspectiva neoconstitucional moderna – como um direito fundamental do
trabalhador.
É incontestável que o trabalho humano moderno se encontra ameaçado
face aos impactos econômicos, políticos e sociais advindos da introdução das novas
tecnologias no ambiente de trabalho (Revolução Tecnológica) frente à reestruturação
produtiva pós-toyotista no ocidente.
A realidade é esta: milhares de pessoas que se afastam dos seus postos de
trabalho devido a doenças psicológicas e psicossomáticas advindas de um sistema de gestão
empresarial competitivo, desrespeitoso e indigno.
Não restam dúvidas também que a nova tônica nas relações de trabalho é:
o individualismo. Tal mudança no mundo do trabalho exige do trabalhador um novo perfil:
autônomo, flexível, competitivo, criativo e qualificado.
As pressões crescentes e angustiantes por aumento de produtividade e o
distanciamento entre os gestores e os trabalhadores dentro da linha de produção póstoyotista moderna acarretam novos conflitos do trabalho.
O novo cenário do trabalho moderno dificulta a comunicação direta entre
trabalhadores e sua liderança, desumanizando o ambiente de trabalho, acirrando a
competitividade entre os colegas de trabalho e dificultando a germinação do espírito laboral
de cooperação e solidariedade necessário em um Estado Democrático de Direito.
3
Enfim, surgem problemas nunca antes discutidos na empresa, como o
stress ocupacional e a “síndrome do Burn out” no ambiente do trabalho apontados pelos
psicólogos como decorrentes do aumento de pressão psicológica dentro da empresa
moderna ocasionado por um sistema de gestão de pessoas competitivo e cruel no século
XXI.
A questão que se coloca é a seguinte: O que é o assédio moral
organizacional? Qual a diferença entre o assédio moral organizacional e o assédio moral
individual? Qual a diferença entre o assédio moral organizacional e o assédio moral
coletivo?
O assédio moral organizacional do ponto de vista psicológico afeta
exatamente a auto-estima do trabalhador, com isso atinge sua dignidade como pessoa
humana – o mais importante dos direitos fundamentais.
Dentro deste contexto interdisciplinar, não poderíamos deixar de
pesquisar outros ramos científicos, tais como: a Pscicologia, Psiquiatria, Medicina e
Sociologia do trabalho. Neste artigo, pretende-se destacar o trabalho da psicóloga Hilda
Alevato sobre a “síndrome loco-neurótica”, cuja contribuição é justamente a identificação
do grupo de trabalho (instituição) como ente psicológico coletivo e autônomo, portanto,
capaz de praticar o assédio moral de forma organizacional.
A pergunta central deste artigo é: “como proteger os direitos
fundamentais dos trabalhadores, principalmente a dignidade como pessoa humana, frente
ao assédio moral organizacional?”
O nosso objetivo neste artigo é defender o direito fundamental do
trabalhador à sua dignidade humana frente ao assédio moral organizacional. Acima de tudo,
no ambiente de trabalho deve haver respeito não só o princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, mas outros princípios constitucionais de igual valor e importância, como
o respeito à cidadania do trabalhador; à sua saúde e segurança e o respeito aos valores
sociais do trabalho.
A premissa maior, sobre a qual todo o trabalho humano deve se
estruturar está na efetiva garantia constitucional da dignidade da pessoa humana. Este é o
princípio constitucional mais relevante na ordem jurídica brasileira.
4
O princípio da dignidade da pessoa humana exprime a primazia da pessoa
humana sobre o Estado, aplicando-se ao Direito do Trabalho, significa a primazia do
trabalhador frente à empresa. É necessário defender a aplicação deste princípio como valorfonte fundamental do Direito do Trabalho no combate ao assédio moral organizacional.
Nas palavras sábias do Professor Renato Rua de Almeida proferidas em
sala de aula no doutorado da PUC/SP está a resposta: “é urgente a criação de mecanismos
de proteção à saúde integral do trabalhador (física e psicológica) dentro de um ambiente
de trabalho sadio constituído como verdadeira “sociedade de homens” (Encíclica Rerum
Novarum) em busca da manutenção para as próximas gerações do valor social do trabalho
como fundante de uma democracia igualitária, justa e inclusiva”.
Feita esta breve introdução com o fim apenas de provocar o interesse dos
leitores pelo tema, vamos aprofundar os aspectos mencionados no conteúdo do artigo por
meio de uma análise preliminar do assédio moral individual clássico, para posteriormente,
definir o assédio moral corporativo ou conhecido por alguns como organizacional.
Não há dúvidas que o assunto é atual e envolve uma ampla discussão na
sociedade. A jurisprudência trabalhista é recente e escassa. Os empregados em sua maioria
desconhecem o assunto.
A ocorrência de assédio moral organizacional no ambiente de trabalho é
mais comum do que a maior parte das pessoas imaginam. A nossa pretensão no presente
breve artigo é somente delimitar os temas para início do debate em posterior tese de
doutorado.
2. O ASSÉDIO MORAL COMO FENÔMENO JURÍDICO DE ESTUDO RECENTE
Preliminarmente, antes de iniciarmos o debate jurídico, a primeira
questão que se coloca é a seguinte: O assédio moral é um fenômeno novo no mundo
jurídico? O ambiente de trabalho era mais saudável e humano no passado?
5
Parece que a resposta imediata é negativa. Portanto, se o assédio moral
não é um fenômeno novo no ambiente de trabalho, teremos que fazer uma nova pergunta:
“então por que é recente o debate sobre este tema?”
A jurista cubana Lydia Guevara Ramirez1
pronunciou várias conferências
e participou de inúmeros debates sobre a atual conjuntura relativa ao mundo do trabalho
latinoamericano.
Na opinião de Lydia Guevara Ramírez: “este problema é de recente
reconhecimento no âmbito das relações de trabalho e tem-se expandido notavelmente nos
últimos 10 anos, influindo no meio ambiente de trabalho, com conseqüências póstraumáticas ao trabalhador assediado, quando a situação é habitual e inerente às
condições de trabalho e o ambiente de trabalho é hostil, intimidatório e humilhante2
”.
Márcia Novaes Guedes3
, juíza do trabalho brasileira, analisando o
assédio moral como fenômeno jurídico de reconhecimento recente no Brasil concorda com
a jurista cubana: “muito embora o assédio moral no trabalho seja definido como a pior
forma de estresse social, somente nos últimos 10 anos do século XX é que foi identificado
como fenômeno destruidor do ambiente de trabalho”.
Não há como negar que a violência no ambiente do trabalho, seja física
ou psicológica, é tão antiga quanto o próprio trabalho humano, mas o que preocupa os
estudiosos é o aumento galopante da violência psicológica no ambiente do trabalho nos
últimos anos.
Hilda Maria Rodrigues Alevato, psiquiatra carioca, alerta sobre o sombrio
futuro cenário trabalhista no Brasil: 4
”é possível afirmar, com alguma segurança, que
estamos enfrentando – nesses tempos de globalização imposta e crise abrangente, inclusive
pela redefinição do binômio empregabilidade/sobrevivência – um significativo aumento
percentual de indivíduos padecendo de alguma forma de sofrimento psíquico relacionado
ao trabalho”.

1
Fonte: http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e
justica/news/82661/?noticia=DEBATES+COM+LYDIA+GUEVARA+SOBRE+O+MUNDO+DO+TRABAL
HO+LATINO+AMERICANO. Página da Internet acessada em 10.02.2010.
2
Fonte: http://tablerodecomando.ning.com. Página da Internet acessada em 10.02.2010.
3 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 2005, p.
24/25.
6
Ramirez alerta para o fato de que: “ainda que a violência em geral, tanto
intrafamiliar, na comunidade e no trabalho seja um fenômeno antigo, há que se analisar
porque na atualidade produziu-se um aumento destes casos”.
A estudiosa aponta algumas razões para tal aumento: “pode ser o
resultado de uma difícil situação sócio-econômica nos países, tanto nos países
desenvolvidos como nos países subdesenvolvidos, incidindo notável e decisivamente a
globalização neoliberal de fim de século”.
É importante refletirmos sobre qual tem sido esta influência no ambiente
de trabalho. E a nossa análise não termina neste ponto, é igualmente imprescindível
analisarmos a influência que terá a violência no trabalho e no assediado respectivamente na
coletividade, no assediador e na própria empresa.
A Profa. Lydia Guevara Ramírez discorre sobre a gravidade deste
problema para as futuras gerações: “as conseqüências tanto para o indivíduo como para o
grupo de trabalho podem ser consideradas iguais aos custos para os indivíduos, para a
empresa e para a sociedade em geral, que se justificam como Custos da Violência no
Trabalho”.
A próxima questão que se coloca é a seguinte: se o assédio moral é um
fenômeno jurídico recente, embora seja um fenômeno social antigo, quando pode-se
afirmar que se iniciaram os estudos sobre o tema?
Segundo Márcia Novaes Guedes5
, os estudos primitivos acerca das
agressões psicológicas no ambiente de trabalho no mundo são atribuídos ao psicólogo
Heinz Leymann – pesquisador alemão, radicado na Suécia – que publicou em 1984 o
resultado de uma longa pesquisa sobre as conseqüências da exposição do trabalhador a
comportamentos degradantes no ambiente do trabalho.
Heinz Leymann introduziu o conceito de mobbing para descrever as
formas cruéis de assédio dentro das organizações empresariais. Foi a partir da divulgação

4
ALEVATO, Hilda Maria Rodrigues. Relação entre a Formação da Liderança e os Fatores
Socioambientais de Risco à Saúde no Trabalho. Fonte: http://www.senac.br/BTS/291/boltec291a.htm. Acesso
em 13/01/2010.
5 GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 27.
7
das suas pesquisas que surgiram as primeiras estatísticas a respeito da violência psicológica
na ambiente de trabalho europeu6
.
Em 1988, foi realizada uma pesquisa sobre a violência psicológica no
ambiente de trabalho e se constatou que pelo menos 8,1% dos empregados sofriam algum
tipo de agressão psicológica.
Harald Ege, pesquisador alemão, residente na Itália, começou os estudos
sobre mobbing neste país. Em 1996 foi publicada a primeira obra difundindo o fenômeno
social em língua italiana7
.
Harald Ege8
fundou a Associação Italiana Contra o Mobbing e Stress
Psicológico – PRIMA, entidade sem fins lucrativos que se destina a divulgar, prestar
assistência e intervir nos casos de assédio moral em todos os níveis9
.
Divisor de águas no que se refere ao estudo do assédio moral foi a
pesquisa realizada pela psicóloga e vitimóloga francesa Marie-France Hirigoyen. Por meio
da obra “Assédio Moral – a violência perversa do cotidiano”, publicada em 2000, a autora
divulga e denuncia o fenômeno ao mundo.
Conforme ressalva Márcia Guedes, o impacto de tal obra foi considerável,
a ponto de trabalhadores deflagarem greve em diversas empresas para exigir respeito à
dignidade contra o assédio moral10
. Após 2 anos a autora publica – “Mal-estar no trabalho:
redefinindo o assédio moral” – obra cujo objetivo era acurar a análise à luz de tudo que
assimilamos desde o livro precedente.
A psicóloga e vitimóloga promove assistência terapêutica às vítimas do
mobbing, além de contribuir para o intercâmbio de informações sobre o assédio moral,
participando de palestras e conferências em diversos países.
Em nosso país a imprensa escrita tem divulgado o tema objeto de estudo
por meio de reportagens em jornais e revistas. Todavia, trabalho pioneiro no campo da

6 GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 28.
7 GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 28/29.
8 O pesquisador coordena também o movimento conhecido como “Collana” Mobbing – onde reúne obras de
pesquisadores e especialistas sobre violência psicológica e assuntos correlatos ao fenômeno social em estudo.
9 GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 28.
10 GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 29-31.
8
medicina foi elaborado pela médica Margarida Maria Silveira Barreto11em sua tese de
doutorado.
A médica entrevistou mais de 2000 trabalhadores, de 97 empresas durante
um período de 4 (quatro) anos, sendo que do número total de entrevistados, 870 pessoas
apresentaram histórias de humilhações no trabalho em razão de terem sofrido acidente do
trabalho ou simplesmente por terem adoecido12
.
Sem dúvida, o seu trabalho médico, foi pioneiro no Brasil e contribuiu
muito para o estudo do tema do assédio moral em nosso país.
Após esta breve introdução sobre o surgimento do assédio moral como
fenômeno jurídico recente no Brasil e no mundo, iremos abordar no próximo tópico o novo
tipo de assédio moral: organizacional e sua relação com o trabalho moderno da Revolução
Tecnológica (3ª Revolução Industrial).
3) O ASSEDIO MORAL ORGANIZACIONAL E SUA RELAÇÃO COM O
TRABALHO MODERNO
De início, é necessário fazer uma breve retrospectiva da reestruturação
produtiva toyotista da 2ª metade do século XXX para entendermos os novos desafios do
ambiente de trabalho moderno e sua relação com o assédio moral organizacional.
Marli Delmonico de Araújo Futata13 relata de forma bem didática a
origem do modelo de produção toyotista: “nos anos 50, relata Wood Jr. (1992), o
engenheiro japonês Eiji Toyota passou alguns meses em Detroit conhecendo a indústria
automobilística americana, sistema dirigido pela linha fordista de produção, onde o fluxo
normal é produzir primeiro e vender depois quando já dispunham de grandes estoques”.
A autora mostra as impressões do Sr. Eiji ao ver as grandes
empresas fordistas-tayloristas americanas:

11 BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde, trabalho – Uma jornada de humilhações. São
Paulo: EDUC – EDITORA DA PUC-SP, 2000.
12 GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 32-33.
13 FUTATA, Marli Delmonico de Araújo. Breve análise sobre o toyotismo: modelo japonês de
produção. Revista espaço acadêmico. Nº 47. Abril 2005. Mensal. ISSN 1519.6181. ano IV.
Disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/047/47cfutata.htm> Acesso em 13/02/2010.
9
“Toyota ficou impressionado com as gigantescas fábricas, a
quantidade de estoques, o tamanho dos espaços disponíveis nas
fábricas e o alto numero de funcionários. Para ele, naqueles moldes,
seu país, arrasado por um período pós-guerra, não teria condições
de desenvolver uma forma semelhante de produção. Relatou isso
quando escreveu à sede de sua empresa dizendo que ia ser
necessário uma nova forma de organização do trabalho, mais
flexível e que exigisse menor concentração de estoques, pois sabia
que o Japão possuía um mercado pequeno, capital e matéria – prima
escassos, “[…] a compra de tecnologia no exterior era impossível e a
possibilidade de exportação era remota”.
Em seguida, Futata descreve as modificações sugerida por Taichi Ohno,
grande especialista em produção para implementar referido modelo de produção no
mercado japonês:
Para conseguir competir então, nos grandes mercados, a Toyota
precisaria modificar e simplificar o sistema da empresa americana
Ford. Na procura de soluções para esse encaminhamento, Toyota e
seu especialista em produção Taichi Ohno, iniciaram um processo
de desenvolvimento de mudanças na produção. Introduziram
técnicas onde fosse possível alterar as máquinas rapidamente
durante a produção, para ampliar a oferta e a variedade de produto,
pois para ele era onde se concentrava a maior fonte de lucro.
Obtiveram excelentes resultados com essa idéia e ela passou a ser a
essência do modelo japonês de produção.
O espaço para armazenamento da produção era outro obstáculo para
os japoneses, por isso, as mercadorias deveriam ter giro rápido, e a
eliminação de estoques, ainda que parecesse impossível, estava nos
projetos de Toyoda.
10
Por fim, a autora sintetiza os novos parâmetros incorporados
gradativamente à produção caracterizando o que passou a chamar toyotismo, (ou Ohnismo,
devido aos nomes Toyoda e Ohno):
“Partiram do princípio de que qualquer elemento que não agregasse valor ao produto,
deveria ser eliminado, pois era considerado desperdício e classificaram o desperdício em
sete tipos principais: tempo que se perdia para consertos ou refugo, produção maior do que
o necessário, ou antes, do tempo necessário, operações desnecessárias no processo de
manufatura, transporte, estoque, movimento humano e espera. A partir do princípio acima
citado, planejou-se um modelo de produção composto por: automatização, just-in-time,
trabalho em equipe, administração por estresse, flexibilização da mão de obra, gestão
participativa, controle de qualidade e subcontratação”.
Giovanni Alves14
apresenta um panorama do processo de reestruturação
produtiva ocorrido no Brasil nos anos 80 consagrando o toyotismo como um modo de
organização da produção. O que o autor denomina de “complexo de reestruturação
produtiva” tem sua origem na crise dos países capitalistas centrais, ocorrida na década de
70, quando a longa depressão impulsionou a criação de novos métodos de produção e de
gestão da força de trabalho.
Alves mostra os impactos da chamada acumulação flexível no ABC
paulista e suas modificações técnico-organizacionais que configuraram o novo e precário
mundo do trabalho.
Enfim, com a reestruturação produtiva toyotista implementada no Ocidente,
conhecida por esta razão de pós-toyotista, surgem novas doenças ocupacionais, sendo que a
maioria delas ligadas ao stress profissional.
Maria Aparecida Alkimin15 ao relatar o problema do stress profissional,
menciona a reestruturação e a era produtiva imposta pelo mercado globalizado, que por sua
vez, ameaça cada vez mais a estabilidade no emprego. Os trabalhadores sofrem a pressão
da competitividade e acabam servindo como meio de aumentar a produtividade e os lucros.

14 ALVES, Giovanni. O novo e precário mundo do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.
15 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. 1ª. ed. (ano 2005), 3ª. tir.
Curitiba: Juruá, 2007, p. 55.
11
Ari Possidonio Beltran16 descreve de forma brilhante os novos conflitos e as
relações de trabalho surgidas com esta evolução do sistema produtivo:
Na mesma oportunidade mencionávamos, ainda, outros importantes
fenômenos correlatos, como aquele, hoje reconhecido pela doutrina,
como darwinismo social ou neodarwinismo, referente á situação em
que, na busca do emprego, grandes contingentes têm sido alijados,
sob o fundamento, por vezes perverso, da “seleção dos melhores”,
na medida em que, em escala crescente, para os mais humildes
postos de trabalho, requisitam-se formação escolar elevada,
incompatível com o cargo, conhecimento de informática e não raro
o domínio de outros idiomas. Tais situações fazem parte dos
conflitos da nova sociedade, que contribuem para as novas tensões
ao Direito do trabalho.
Beltran descreve bem a relação entre o aumento da violência
psicológica e a reestruturação produtiva toyotista:
“A intensificação do trabalho e a degradação das condições de
trabalho (tarefas penosas, flexibilidade de horários, exigência de
disponibilidade) estão patentes em muitos setores; descobre-se que
a ditadura da „performance‟, o aumento do tempo de utilização dos
equipamentos, a produção just-in-time, são causas de sofrimento e,
que uma forma de violência, o constrangimento moral (lê
„harcèlement moral‟) insere-se no quotidiano de muitos
trabalhadores”.

16 BELTRAN, Ari Possidonio. Dilemas do trabalho e do emprego na atualidade. São Paulo: LTr, 2001, p.
234 apud BELTRAN, Ari Possidonio. Direito do trabalho e direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2002, p.
223.
12
Segundo Maria Aparecida Alkimin17, com o advento da moderna
organização do trabalho, a preocupação do Direito do Trabalho deve estar voltada também
para a saúde psíquica dos trabalhadores:
“ Pois uma vez que a competitividade toma outro rumo que não uma competição saudável,
o trabalhador acaba por sofrer as conseqüências, sejam no âmbito da saúde como no âmbito
do seu próprio potencial produtivo, ou seja, ocorre a queda da produção, afeta o
relacionamento no ambiente de trabalho, na vida social e familiar, ocasionando possíveis
doenças, afastamento do trabalhado, desemprego e até mesmo invalidez ou morte. Note-se
que o assédio moral impregnado na exigência de metas de produção inatingíveis, podem
desencadear uma série de conseqüências”.
Após feito este breve cenário do surgimento do modelo de produção
toyotista e seus impactos sobre a saúde mental dos trabalhadores modernos, iremos abordar
a sua relação direta com o assédio moral organizacional, distinguindo-o do assédio moral
interpessoal.
Segundo pesquisa recente realizada pela médica Margarida Barreto18
no
Banco Banespa (3.000 questionários de autopreenchimento) referentes à capital paulista,
grande São Paulo, interior e outros estados da União., é possível compreender as
consequências da politica corporativa do Banco Santander (privatização, novas polticas de
gestão e ameaças constantes de desemprego) à saúde dos trabalhadores:
“a conclusão da pesquisa revela um ambiente de trabalho degradado de
forma deliberada, com predomínio do medo, as ameaças, discriminações,
desqualificações e adoecimentos. O clima era de guerra psicológica em

17 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. 1ª. ed. (ano 2005), 3ª. tir.
Curitiba: Juruá, 2007, p. 30/31.
18Pesquisa realizada no Banespa revela clima de violência moral organizacional.
Fonte: http://64.233.163.132/search?q=cache:LuQ1-
zo4lNkJ:www.assediomoral.org/spip.php%3Farticle204+ass%C3%A9dio+moral+organizacional&cd=3&hl=
pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em 10/02/2010.
13
que predominava a manipulação perversa e abuso do poder, como forma
de forçar os empregados a aderir ao PDV ou PDI19” (grifos nossos)
A afirmação de que “o clima era de guerra psicológica” não poderia ser
mais cristalina para caracterizar o assédio moral organizacional. Aqui começa o debate,
afinal o clima geral de trabalho (bom ou ruim) pode causar impactos diretos sobre à
saúde do trabalhador? Em outras palavras, se o clima de trabalho é ruim os trabalhadores
podem adoecer coletivamente?
A fim de respondermos tais indagações, vamos fazer uma breve incursão
no estudo da psiquiatra carioca Hilda Maria Rodrigues Alevato sobre a Síndrome LocoNeurótica (SLN) no ambiente de trabalho.
Segundo Hilda Maria Rodrigues Alevato, quando a mesma doença, seja
física ou mental se espalha dentro da empresa, há algo mais do que uma simples
coincidência de encontro de trabalhadores adoentados, senão vejamos:
Há empresas e organizações cuja quantidade de funcionários alcoolizados
diariamente já é tão incômoda, que programas de apoio vêm sendo
implantados com a ajuda de psicólogos e outros especialistas. Exemplos
de iniciativas nessa mesma linha não são raros, absolutamente. Apesar
disso, ainda estamos longe de dar ao tema o tratamento que exige. É
indispensável, obviamente, tratar o homem que se alcooliza ou aquele que
vive uma crise depressiva. Porém, quando no mesmo ambiente de
trabalho a quantidade de profissionais atingidos pelo alcoolismo, por
burnout ou por alguma outra forma de sofrimento psíquico ultrapassa o
nível razoável da possível coincidência, é necessário atentar para o fato
de que esteja acontecendo algo mais do que um simples encontro de
indivíduos adoentados.

19 Ibid. Acesso em 10/02/2010.
14
Em sua pesquisa de campo, a psiquiatra aponta exemplos de situações que
podem ser consideradas como “SLN”:
“Atentando-se aos discursos das pessoas expostas a situações de risco
socioambiental é possível perceber sinais do processo do adoecimento,
através de expressões como: “não sei o que acontece comigo quando
venho para cá”, “só de pensar que ainda tenho que ficar mais duas
horas neste escritório… tenho vontade de sumir”, etc.” (grifos nossos).
A autora sustenta ainda que a situação coletiva pode ser facilmente
deturpada como um problema individual, senão vejamos:
“Percebe-se um movimento em torno de alguns sintomas importantes dos
riscos – como o assédio moral, por exemplo – mas com uma abordagem
que sequer considera as possíveis relações entre o sintoma e o ambiente
em que ele se manifesta. Ou seja, tende-se a tratar de forma isolada cada
caso, focando as atenções no indivíduo e em elementos de sua
personalidade, exclusivamente”.
Segundo Ricardo Tadeu Marques da Fonseca20, a contribuição de Alevato
é justamente a identificação do grupo de trabalho como ente psicológico coletivo e
autônomo : “Dirige-se, portanto, à dinâmica coletiva desses grupos de trabalho e a toda
fenomenologia psicológica e material que a cerca. Busca demonstrar a influência do

20 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. Saúde mental para e pelo trabalho. Disponível em
http://www.calvo.pro.br/artigos/ricardo_tadeu_marques_fonseca/ricardo_tadeu_saude_para_pelo_trabalho.pd
f. Acesso em 06/01/2010.
15
ambiente sobre o homem, entendendo por ambiente todo o conjunto significativo,
simbólico e comunicativo que orienta os comportamentos”.
É indispensável, obviamente, tratar o homem que se alcooliza ou aquele que vive uma crise
depressiva. Porém, quando no mesmo ambiente de trabalho a quantidade de profissionais
atingidos pelo alcoolismo, por burnout ou por alguma outra forma de sofrimento psíquico
ultrapassa o nível razoável da possível coincidência, é necessário atentar para o fato de que
esteja acontecendo algo mais do que um simples encontro de indivíduos adoentados.
.
Em uma entrevista minha para a Folha de São Paulo21 sobre assédio
moral afirmei que a competição exarcebada e a pressão do empregador por mais
resultados em menos tempo estimula terror psicológico entre colegas.

Segundo a lição de Maria Aparecida Alkimin22, quando o empregador extrapola os
limites de seu poder de direção, acaba cometendo um ato ilícito previsto no artigo 187 do
Código Civil. Assim, quando da violação de seus direitos, o empregado pode rescindir o
contrato de trabalho por culpa do empregador, conforme dispõe o artigo 483 da CLT. Não
obstante, o mesmo ainda pode pleitear a indenização por danos morais por violação dos
direitos de personalidade, conforme dispõe o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal de
1988.

21 http://www.calvo.pro.br/iprensa/calvo_folha_huj06.pdf. Acesso em 13/02/2010.
16
4) O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL – LIVRE INICIATIVA X
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Frente à existência de lacuna jurídica no ordenamento jurídico brasileiro
sobre o assédio moral, a questão que se coloca é a seguinte: “como garantir a proteção do
trabalhador contra os diversos tipos de assédio moral, inclusive o assédio moral
organizacional? A resposta somente é possível de ser encontrada pela ótica
neoconstitucionalista moderna da Teoria dos Direitos Fundamentais.
Afinal, o assédio moral viola, pelo menos, 2 (dois) princípios
fundamentais da República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana e os
valores sociais do trabalho (artigo 1º, incisos III e IV da Constituição Federal de 1988).
Logo, como equilibrar estes direitos fundamentais do trabalhador frente à livre iniciativa da
empresa moderna toyotista? Para cumprir tal tarefa, é necessário discutir o conceito de
princípios dentro da Teoria dos Direitos Fundamentais.
A importância dos princípios no neoconstitucionalismo moderno é bem
explicada em Miguel Reale: “princípios são verdades fundantes de um sistema de
conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas,
mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como
pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis”
23
.
Maurício Godinho Delgado demonstra a importância de um princípio
para a sociedade:“a noção de proposições que se formam na consciência das pessoas e
grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à
compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade24”.
No contexto trabalhista, não é admissível que o empregado se sujeite
psicologicamente ao empregador (conhecida por alguns como subordinação subjetiva), em
troca de valor financeiro nenhum (salários ínfimos ou não). A troca que se espera no
ambiente de trabalho é de respeito à dignidade humana do trabalhador e a concretização
constitucional do verdadeiro valor social do trabalho (e não puramente econômico).

22 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. 1ª. ed. (ano 2005), 3ª. tir.
Curitiba: Juruá, 2007, p. 57.
23REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1991, p. 299.
24 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 184.
17
Na lição de Alexandre de Moraes25 o respeito à dignidade humana deve
ser entendido como:
Dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se
manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (grifos nossos).
Segundo Rodrigo de Lacerda Carelli, Direitos Fundamentais “são aqueles
direitos do homem que determinada sociedade escolheu por bem inseri-los em seu direito
positivo, sendo resguardados a Constituição.”
26
Uadi Lammêgo Bulos27 explica a relação direta da teoria dos direitos
fundamentais com o princípio matriz da dignidade humana:
Os direitos são fundamentais são fundamentais, porque sem eles a
pessoa humana não se realiza, não convive, e, em alguns casos, nem
sobrevive. Como ficariam a igualdade, a legalidade, o respeito à
dignidade, a tutela do patrimônio sem a constitucionalização, em bases
legisláveis sólidas, desses direitos impostergáveis da pessoa humana?

25 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 52.
26 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Direitos Constitucionais sociais e os Direitos Fundamentais: são os direitos
sociais constitucionais direitos fundamentais? Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
RT, ano 11, v. 42, janeiro-março, 2003, p. 252.
27 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.
104.
18
Os Direitos Fundamentais preenchem espaço de grande responsabilidade
no corpo constitucional e são tidos como importantes fundamentos para a base de todo o
ordenamento jurídico, principalmente o trabalhista.
Nesta esteira de pensamento, o trabalhador é antes de tudo cidadão,
muito antes antes de vestir a “roupagem” de empregado dentro da empresa. O seu estado de
subordinação trabalhista não implica em renúncia aos seus direitos fundamentais como
pessoa humana, muito menos em sujeição aos seus direitos de personalidade. Logo, não é
admissível certas práticas empresarias de gestão por injúria e calúnia, afetando a autoestima coletiva dos trabalhadores no ambiente do trabalho.
Enoque Ribeiro dos Santos defende que: ”os direitos fundamentais são
tão importantes que deveriam possuir no mundo jurídico um papel semelhante a um título
executivo constitucional, que uma vez não adimplido propicia a seu possuidor, exigir os eu
efetivo cumprimento judicialmente, mesmo que seja em face da expropriação ou constrição
dos bens do devedor, no caso o Estado.”
28(grifos nossos).
Amauri Mascaro Nascimento defende que deve haver limites
constitucionais aos poderes dos empregadores:29“direitos fundamentais significam também
uma relação não entre o cidadão e o Estado, mas entre particulares, como as relações que
se estabelecem entre o empregador e o empregado, na defesa deste contra a exacerbação
do poder diretivo daquele”.
Evidente que o importante não é somente o respeito aos direitos
fundamentais do trabalharo, mas sua efetiva concretização dentro do ambiente do trabalho.
Na linha de Hannah Arendt é “o direito a ter direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de
direitos.”30
Neste mesmo diapasão, Norberto Bobbio preocupado com a efetividade
dos direitos fundamentais ressalta que: “se os direitos humanos atualmente são

28 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos Humanos e meio ambiente do Trabalho – titulo executivo
constitucional – tutela jurisdicional. Revista Justiça do Trabalho. Porto Alegre: HS, ano 22, n. 2258, p. 29,
junho de 2005,
29 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 31.ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 130.
30 LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: Um diálogo com o Pensamento de Hannah Arendt.
São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 26. apud SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos Humanos e meio
ambiente do Trabalho – titulo executivo constitucional – tutela jurisdicional. Revista Justiça do Trabalho.
Porto Alegre: HS, ano 22, n. 2258, p. 30, junho de 2005.
19
reconhecidos virtualmente por todos os povos, com poucas exceções, o problema é torná-lo
efetivos”
31
.
A aplicação da teoria dos direitos fundamentais no Direito do Trabalho
significa reconhecer a necessidade de concretude da proteção de direitos individuais do
empregado, principalmente quanto às limitações ao poder de atuação patronal, buscando
como resultado um equilíbrio digno nos conflitos de interesse existentes na relação capital e
trabalho.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes, seguindo a mesma linha de
raciocínio, afirma que é essencial que o Direito, através de princípios ético-morais e com o
apoio da solidariedade social e luminosidade dos juristas preserve o homem “garantindolhe condições mínimas de existência digna, não só em „uma folha de papel‟ (expressão
historicamente utilizada por Lassale), mas de forma concreta e efetiva.”32
Arion Sayão Romita33 pode nos ajudar a responder esta importante
indagação dentro da teoria dos direitos fundamentais. O autor explica que os direitos
fundamentais podem ser vistos sob uma perspectiva dupla: negativa e positiva:
No tocante à posição do Estado em face dos direitos fundamentais, estes
podem ser visualizados em dupla perspectiva: como direitos de defesa e
como garantias à proteção do Estado contra a agressão de terceiros. Na
primeira visão, os direitos fundamentais obrigam o Estado a respeitar os
direitos de qualquer indivíduo em face de investidas do próprio Poder
Público:atuam como direitos de defesa (Abwehrrechte). Na outra
perspectiva, o Estado se obriga a garantir os direitos de qualquer pessoa
contra a agressão perpetrada por terceiros, quando invocado o seu dever
de proteção (Schutzpflicht des Staats).

31 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.
25 apud SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos Humanos e meio ambiente do Trabalho – titulo executivo
constitucional – tutela jurisdicional. Revista Justiça do Trabalho. Porto Alegre: HS, ano 22, n. 2258, p. 29,
junho, 2005.
32 GOMES, Dinaura Godinho Pimental. O processo de afirmação dos Direitos Fundamentais: evolução
histórica, interação expansionista e perspectivas de efetivação. Revista de Direito Constitucional. São Paulo:
RT, ano 11, n. 24, p. 110, outubro-dezembro de 2003.
33 ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 39.
20
Em vista do exposto acima, a perspectiva positiva dos direitos
fundamentais é plenamente aplicável nas relações de trabalho, uma vez que não cabe
somente ao Estado garantir o respeito à dignidade humana do trabalhador, mas antes e
acima de tudo: o Estado deve proteger o trabalhador quando sua dignidade humana estiver
em risco de ser afetada pelo uso abusivo do poder diretivo do empregador no local de
trabalho.
Mauricio Godinho Delgado34 lembra que o trabalhador como pessoa
humana tem direito a saúde integral (física e mental) no ambiente de trabalho: “tanto a
higidez física, como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais
de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-estima e afirmação social e,
nesta medida, também de sua honra”.
Em suma, Amauri Mascaro Nascimento35
sintetiza bem todo o exposto
até este momento quando defende que existe um mínimo ético a ser respeitado na relação
de trabalho: “esses direitos, na esfera das relações de trabalho, têm como fundamento a
necessidade de garantia de um mínimo ético que deve ser preservado nos ordenamentos
jurídicos nas relações e trabalho como forma de organização jurídico-moral da sociedade
quanto à vida, à saúde, à integridade física, à personalidade e a outros bens jurídicos
valiosos para a defesa da liberdade e integração dos trabalhadores na sociedade e perante
o empregador”.
Pois bem, voltamos a importante pergunta deste artigo, como proteger os
direitos fundamentais dos trabalhadores, principalmente a dignidade como pessoa
humana, frente à inevitável colisão com a livre iniciativa constitucionalmente garantida
também (art. 170, CF)?
Em se tratando de colisão de princípios constitucionais, não há que se
falar trata em antinomia, vez que não se pode simplesmente afastar a aplicação de um dos
princípios, todos os princípios são validos e reunidos garantem a unidade da nossa Carta
Magna.

34 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 612/614.
35 NASCIMENTO, Amauri mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: LTr, 2005, p.
130/131.
21
George Marmelstein Lima36 defende que no caso de conflito entre princípios
surge uma tormentosa questão:
“quid iurisno caso de uma colisão de princípio constitucionais, já que eles possuem a
mesma hierarquia normativa e, portanto, devem ser igualmente obedecidos? Escolhe-se o
axiologicamente mais importante, afastando integralmente a aplicação do outro? A nosso
ver, não é essa, a priori, a melhor solução. Afinal, quem irá determinar qual o princípio
“axiologicamente mais importante”? Para o fazendeiro, dono da terra, o princípio mais
importante certamente será o da propriedade; para o “sem-terra”, o da função social da
propriedade”.
A solução desenvolvida pela doutrina estrangeira foi a teoria da dimensão de peso ou
importância (Ronald Dworkin). Em outras palavras, em qualquer situação, o princípio da
proporcionalidade como “meta-princípio”, isto é, como “princípio dos princípios”, deve ser
aplicado pelo jurista visando da melhor forma preservar os princípios constitucionais em
jogo.
Ronald Dworkin, em sua obra Taking Rights Seriously explica que as regras jurídicas são
aplicáveis por completo ou não são, de modo absoluto, aplicada a dimensão do tudo ou nada,
nas palavras do autor:
“os princípios possuem uma dimensão que não é própria das regras jurídicas: a dimensão do
peso ou importância. Assim, quando se entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o
conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um deles (…). As regras não possuem tal
dimensão. Não podemos afirmar que uma delas, no interior do sistema normativo, é mais
importante do que outra, de modo que, no caso de conflito entre ambas, deve prevalecer uma
em virtude de seu peso maior. Se duas regras entram em conflito, uma delas não é válida.37
.

36 LIMA, George Marmelstein. A hierarquia entre princípios e a colisão de normas constitucionais . Jus
Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2625>. Acesso em: 01/03/2010.
37 apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1999, p. 65
22
BARROSO rebate a crítica de alguns autores de que a técnica do
sopesamento aplicada em caso de conflitos entre princípios constitucionais não
permite uma interpretação com plena objetividade – necessária para garantir a
segurança jurídica:
: “A impossibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimiza a necessidade de se
buscar a objetividade possível. A interpretação, não apenas no direito como em outros
domínios, jamais será uma atividade inteiramente discricionária ou puramente mecânica. Ela
será sempre o produto de uma interação entre o intérprete e o texto, e seu produto final
conterá elementos objetivos e subjetivos. E é bom que seja assim. A objetividade traçará os
parâmetros de atuação do intérprete e permitirá aferir o acerto de sua decisão à luz das
possibilidades exegéticas do teto, das regras de interpretação (que o confinam a um espaço
que, normalmente, não vai além da literalidade, da história, do sistema e da finalidade da
norma) e do conteúdo dos princípios e conceitos de que não se pode afastar. A subjetividade
traduzir-se-á na sensibilidade do intérprete, que humanizará a norma para afeiçoá-la à
realidade, e permitirá que ele busque a solução justa, dentre as alternativas que o
ordenamento lhe abriu. A objetividade máxima que se pode perseguir na interpretação jurídica
e constitucional é a de estabelecer os balizamentos dentro dos quais o aplicador da lei
exercitará sua criatividade, seu senso do razoável e sua capacidade de fazer a justiça do caso
concreto.
38”

38 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2a
ed. Saraiva, São Paulo, 1998, p.
256.
23
5) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o próximo século será marcado
pelo crescimento das doenças psicológicas no ambiente de trabalho. Milhares de
trabalhadores serão afastados do seu trabalho devido ao impacto do stress no ambiente de
trabalho e da “Síndrome do Burn out” advindos de um mundo do trabalho em crise.
A Justiça do Trabalho viverá cercada de milhares de processos de assédio
moral (seja individual, coletivo ou organizacional). Os operadores do Direito deverão se
adaptar a este novo cenário jurídico, buscando apoio técnico para fundamentar suas
decisões de um grupo de profissionais multidisciplinares (psicólogo, assistente social e
sociólogo).
A forma mais cruel de assédio moral – o assédio organizacional praticado
pelo abuso das novas formas de organização do trabalho – desmobilizará e eliminará do
mercado de trabalho um número imensurável de trabalhadores. O empregado doente
psicologicamente pode nunca recuperar-se e ficar descartado para sempre do mercado de
trabalho, abalando suas respectivas famílias, enfim criando um prejuízo inestimável para a
sociedade brasileira.
Repita-se, o Direito do Trabalho – apoiado no princípio constitucional da
dignidade humana – deverá ser o norteador para todos os operadores de Direito no combate
ao assédio moral em todas as suas formas, principalmente o assédio organizacional.
24
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www. assediomoral.org

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